segunda-feira, 26 de novembro de 2007

DEVANEIO


Olhos fechados. Gotas de chuva caiam sobre o rosto. O corpo pesava. Os olhos pesavam. Um suspiro supliciado e profundo. Uma fisgada forte no peito pára no tempo.
As pálpebras estremeciam e os olhos abriram devagar. Estava escuro. Um súbito clarão ofusca os olhos. O corpo como se desprendesse de uma pedra amarrada que o segura no fundo de um lago, flutua no ar denso. Havia sonhado um desses sonhos que se confunde com a realidade.
Rasgando o céu um raio cai e clareia tudo por um instante como um flash repentino em um quarto tomado pela escuridão. E ao longe, vários raios caem ininterruptamente num mesmo lugar.
Os sons da chuva e dos passos eram os únicos que preenchiam os ouvidos. Um pequeno tremor toma conta do chão e se intensifica. Os pilares caem. Os fios presos a ele mergulham no chão sólido e correm, parecendo apenas linhas no chão.
Rachaduras percorrem as paredes. Um estouro e um clarão bastam para estilhaçá-las. Não há mais caminhos, há apenas fragmentos espelhados pelo chão que agora o constituem. Caminhos agora, são somente aqueles traçados pela mente.
Encoberto pelos fragmentos, os cubos revestidos pela película transparente resistem. Sorrateiramente são envolvidos e bruscamente elevados pelos fios expulsos do chão, e como se fossem ondas no mar, os carregam ao longe. Uma espécie de êxodo havia começado.
Sem razão alguma ou mesmo por reflexo, mergulhei rapidamente as mãos no chão e agarrei a um dos fios que corriam naquela direção. Um tranco; e com os punhos submersos no chão e o corpo sobre ele, voava em direção ao longe. Um forte vento carregado de poeira vinha na minha direção, e não podia enxergar mais nada. Uma luz entrava nos olhos e ficava cada vez mais forte. Sem agüentar mais, soltei-me. E depois de arremessado para longe, levantei-me do chão e esfregando as mãos sobre o rosto abri os olhos.
Era inacreditável. Os raios estavam estáticos ali, presos ao chão, como se tivessem sido congelados no tempo no momento em que tocaram nele. A cada passo que dava, os pisos se elevavam e flutuavam. Formavam uma passarela da qual podia se ver tudo lá em baixo: as poças d’água que se formavam com a chuva e as árvores que nasciam delas; vários cubos reunidos ali em desordem. Não eram cubos perfeitos, muito menos iguais. Diferenciava-se ora pelo tamanho da aresta, ora por sua inclinação ou pela altura que estavam, enfim, eram volumes, espaços formados pela película que os envolvia.
Um labirinto de paredes de vidro se formava. Era possível ver que agora não havia mais distinção de espaços, se eram livres, vazios ou cheios. O fora se encontrava dentro.
A chuva começava a cessar. As últimas gotas deslizavam num esboço de tudo, resquícios em formas de poças d’água As luzes dos raios se apagavam e davam lugar aos primeiros raios de sol que transpassavam pelas nuvens cinzas...
De cima vejo algo caído no chão. E perto de um piso que flutuava, o vermelho misturado com a água envolvia um corpo e nos olhos uma luz brilhante vai se apagando. Os olhos se fecham.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

TEIA



O céu ficou nublado. A noite ficou ainda mais escura. Um emaranhado de fios corria e trançavam o alto do corredor de paredes passando pelos pilares. Formavam uma cobertura de fios, ou ainda, teias. Mas, teias? – pensava tentando não me desesperar – Não, é impossível aquilo ser obra de uma aranha, visto que o diâmetro daqueles fios e o tamanho da teia eram muito grandes para uma aranha normal. Mas podia ser de outra criatura...
Olhando à frente e ao alto, fiquei curioso para saber onde aquilo acabava, mas me surpreendi ao saber que se seguia pelo caminho todo. Ainda no alto, um olho vermelho, um único olho, acendeu no meio daquela escuridão. Olho estático me observava esperando um único deslize. Estático, tentava pensar em alguma coisa, mas naquela hora, parecia uma mosca lutando em vão para ser morta. Corri para longe dali, sem ter a curiosidade de saber o que era, pois possivelmente seria a última coisa que veria. E quando olhava pra trás, parecia que mais surgiam, sempre mantendo uma mesma distância entre eles.
Claro! – pensava enquanto meu coração disparava em minhas pernas – Agora tudo faz sentido! É por medo que todos abandonam este lugar na noite!
Corri então até aquele espaço livre, onde tinha o piso que flutuava, para me esconder. Quando descia as escadas, o chão parecia fugir de meus paços, e em um tropeço, rolei escada abaixo e, tentando depois me equilibrar, cai, batendo fortemente com a cabeça na quina do piso que flutuava. Desacordado, o vermelho tomou conta do chão escuro.

sábado, 10 de novembro de 2007

ANOITECER

Anoitece. Expulsos pelo chão, pilares surdem. Presos a eles um tentáculo de ferro segura em sua ponta um globo de luz laranjada que, espalhadas pelo caminho, iluminam-no e faz com que o caminho, a parede: tudo se torne uma coisa só. Assim, aquilo que não se deixava envolver pela luz do globo, já não pertencia mais àquele lugar, como se houvesse sido engolido pela escuridão e que agora não passava de um esboço na noite.
Todos sumiram e as entradas se fecharam. Era como se tudo tivesse sido deixado para trás, abandonado. Era como se o tempo tivesse parado.
O silêncio seguia meus passos e cada pensamento era um grito na calada noite. Assim como cada folha arrastada pelo vento sugeria os passos de alguém que me seguia.
Na noite os olhares se dirigiam para todos os cantos. Estava certo de estar em um outro lugar, pois sempre algo novo aparecia, mas no final percebia que sempre estivera lá.
A escuridão da noite me mostrava as coisas que durante a luz do dia não podia enxergar.

sábado, 3 de novembro de 2007

VAZIO


Entardecia. Já não agüentava mais. Parecia voltar sempre para o mesmo lugar. Qualquer que seja o caminho que seguisse me levaria sempre para um mesmo corredor de paredes e portas, que não levavam a lugar nenhum. Até que então fui surpreendido: surgira ali, bem na minha frente, tomando o lugar de algumas paredes naquele corredor: uma saída, um vazio. Claro, não era um vazio completo; havia árvores, bancos, e algumas pessoas paradas, e outras passando por lá, digo “vazio” porque era um espaço livre em meio à tudo aquilo que parecia querer se aproveitar de todo o espaço útil ali existente.
Uma escada descia em direção a um lugar mais a baixo onde lá havia um piso que flutuava no centro, onde as escadas paravam de andar. Nele uma pequena cobertura, curvada para cima em sua extremidade, tornava aquilo muito diferente de tudo que eu havia visto até ali.
Ao lado um outro espaço livre existia. Com uma grande construção no seu centro, que também diferenciava tudo o que tinha visto até ali. Parecia não pertencer àquele lugar. Era enorme, com janelas redondas e triangulares coloridas ao seu entorno, duas torres pontiagudas na sua extremidade nas quais havia um relógio. Por dentro seu tamanho parecia ainda maior, fazia parecer tão insignificante a minha presença ali.
Era estranho porque apesar de os espaços se pertencerem, parecia o contrário, como se separassem, como se fosse outro lugar.
Comecei a perceber as pessoas que passavam ali por fora e as que estavam paradas. As que andavam pelos caminhos sem parar, correndo contra os ponteiros do relógio daquelas enormes torres, pareciam estar com tanta pressa que nem percebiam aqueles lugares, como se eles tomassem a posição daquela enorme construção que acabara de sair, como se tudo ao redor delas fosse insignificante.
Ao contrário da pressa, outras pessoas ali mesmo naquele vazio estavam ali paradas, ou mesmo deitadas. Algumas estavam apenas descansando para continuar a correr, mas outras, em minoria, estavam lá porque lá era o lugar delas, deitavam ali no chão mesmo, como se lá fosse a casa deles, e era. Pensava então, que estas que viviam naquele local, já haviam encontrado aquilo que as que corriam procuravam uma vez, ou mesmo perceberam que, o que as outras buscavam não passava de mera ilusão, pois estavam lá por causa dela.
Percebi que o vazio não estava ali, mas sim, em todo o lugar. Não o vazio do espaço, mas sim o vazio da mente.
Depois daquilo, o corredor de paredes continuou novamente.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

PELÍCULA


Espalhada nas entradas das paredes, uma película transparente cheia de reflexos separava, e ao mesmo tempo não, o dentro e o fora. Dentro, que só existia olhando de fora, não levava a lugar nenhum: uma sala sem saída, que era mais um cubo dentro daquele outro. Fora, a película parecia tão fina e delicada que uma leve brisa poderia rompê-la, mas era grossa o suficiente para não deixar ventania alguma passar.
Sua transparência e reflexo me iludiam, não sabia o que estava dentro e o que estava fora. Com isso, podia me ver lá dentro estando a olhar de fora.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

RITMO INCESSANTE


Chovia. Eu partia em direção àquele caminho escuro, onde seu fim o olhar não alcançava. Outros o cruzavam em um ritmo infinito.
Olhando em direção ao alto, ao longe, esse ritmo continuava. Era como se aquele caminho fizesse uma curva em direção ao céu, formando um grande bloco alongado. De onde ele surgia, nada sabia. Sua origem era incerta, assim como a de um arco-íris no céu azul.Era tudo muito confuso.
Tinha a impressão de que esses grandes blocos verticais mudavam, pois hora pareciam tão pesados e difíceis de não serem notados, e outras eram leves e imperceptíveis. Quando ficavam desta maneira, se misturavam ao céu, refletindo-o em suas laterais, imitando-o, como se tentasse fazer desaparecer com sua notória presença.
As ritmadas e incessantes linhas, tanto horizontais quanto verticais, estavam por todos os cantos. Sejam nos caminhos que se cruzavam até o longe, nos grandes blocos verticais que pareciam continuá-los; nos pingos de chuva que caiam e em todas as linhas que cruzavam o piso daquele chão. Faziam com que qualquer um se confundisse, tendo sempre a sensação desesperadora de estar perdido, de voltar sempre no mesmo lugar, ou estar dentro um labirinto.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

ACORDANDO



Abri os olhos.Caia sem parar em um grande precipício onde do chão nada se via.Não sabia onde estava, muito menos se caia.As paredes se aproximavam.Havia globos de luzes, presos por canos de ferro que saiam do final daquele precipício (se é que havia um final), mas não conseguiam iluminar aquele fundo escuro. O espaço diminuía cada vez mais conforme caia.A partir daí, já não me preocupei mais com nada: nem com a queda, nem aonde ela iria me levar; mas sim, se aquelas paredes rochosas iriam me esmagar.Fechei os olhos e o vazio tomou conta da minha mente. Abri-os novamente, e já não caia mais.Encontrei-me deitado em um chão escuro, onde parecia ser um rio onde as águas não corriam mais, mas que levava a algum lugar.Era aquilo o que parecia ser o fim da interminável queda: um caminho de pequenas pedras pretas, que de tão juntas, se transformava numa coisa só.
As paredes, já não se aproximavam mais.Ficaram lisas e de um tamanho bem menor.Ao longo daquele caminho, as paredes possuíam entradas, cada uma com cores diferentes, como se uma tentasse mais que a outra me convidar a entrar.Era tentador.
Havia acordado? Se havia, não sabia se era de um sonho ou de uma realidade.